Justificativa
O conteúdo de sequências, progressões geométricas e aritméticas muitas vezes surge descontextualizado dentro do próprio escopo de temas da Matemática do Ensino Médio. Invariavelmente torna-se um conteúdo que pouco contribui para as habilidades matemáticas dos alunos, visto que seu aprendizado se configura como uma sucessão de fórmulas e exercícios de aplicação das mesmas. Muitas vezes a dificuldade dos alunos está justamente na compreensão das fórmulas, em entender o que de fato todos aqueles termos e índices significam. Essa é uma dificuldade que pode prejudicar o aluno não somente em outros conteúdos de Matemática, mas também em disciplinas como Física e Química. Um bom estudo neste conteúdo pode vir a sanar dúvidas e preencher lacunas na formação algébrica do aluno. Eis aí um bom motivo para oferecer um pouco mais de atenção às progressões!
Nossa proposta é começar com problemas que levem o aluno a sair de uma situação particular e busque por generalizações. Com isso, as fórmulas deixam o status de algo simplesmente a se decorar para o de uma ferramenta construída pelo próprio aluno como resposta a um problema. Ao colocar em jogo a linguagem algébrica espera-se que ela se naturalize para o aluno como uma ferramenta importante para modelar situações e resolver problemas.
Primeiramente daremos uma olhada mais geral sobre os números poligonais para depois discutir formas de introduzi-los nas aulas.
Números poligonais
Os números poligonais são casos particulares de números figurados. Denominam-se figurados, números que podem ser representados por uma construção geométrica de pontos equidistantes. Caso tal arranjo seja um polígono regular, esses números são chamados de poligonais.
Vejamos o caso dos números triangulares, em que T1 é o primeiro número triangular, T2 é o segundo e assim por diante, até Tn, o n-ésimo número triangular:
Dessa forma, podemos descrever os números triangulares segundo a tabela:
Seguindo esse raciocínio, é possível obter os números triangulares recursivamente:
$$T_2 = T_1 + 2$$ $$T_3 = T_2 + 3$$ $$T_4 = T_3 + 4$$
Assim, extrapolando até o n-ésimo termo:
$$T_n = T_{n-1} + n$$
Apesar de interessante, o uso dessa fórmula recursiva pode mostrar-se pouco eficaz caso deseje-se saber, por exemplo, o milésimo número triangular! Assim, vamos observar novamente as representações dos números triangulares "linha por linha":
Da observação desses padrões, verifica-se que os números triangulares podem ser expressos também segundo a fórmula iterativa:
$$T_n = 1 + 2 + ... + n$$
No entanto, um método clássico, creditado a Gauss, para calcular essa soma é o seguinte:
Se,
$$T_n = 1 + 2 + 3 + ... + (n - 2) + (n - 1) + n$$
Pela propriedade comutativa da adição temos que,
$$T_n = n + (n - 1) + (n - 2) + ... + 3 + 2 + 1$$
Efetuando a soma e organizando convenientemente os termos da equação, temos:
$$T_n + T_n = 1 + n + 2 + (n - 1) + 3 + (n - 2) +... $$
Como,
$$1 + n = 2 + (n - 1) = 3 + (n - 2) = ... $$
E temos n parcelas, então,
$$T_n + T_n = 1 + n + 2 + (n - 1) + 3 + (n - 2) +... \Longrightarrow$$ $$\Longrightarrow 2 . T_n = n . (n + 1) \Longrightarrow$$ $$\Longrightarrow T_n = \dfrac{n . (n + 1)}{2}$$
No entanto, é também possível chegar à mesma fórmula por meio de uma aproximação geométrica. Para tanto, vamos voltar às representações dos números triangulares, mas desta vez rearranjando os pontos para obter triângulos retângulos:
Tomando, por exemplo, T4 = 10 e efetuando a seguinte composição,
Da composição retangular resultante, temos:
$$T_4 + T_4 = 4 . (4 + 1) \Longrightarrow$$ $$T_4 = \dfrac{4 . (4 + 1)}{2}$$
Então, tomando o caso geral Tn:
$$T_n = \dfrac{n . (n + 1)}{2}$$
Esse raciocínio desperta um interessante resultado:
Ou seja, a soma de dois números triangulares consecutivos resulta um número quadrado. Da configuração geométrica, é possível observar que todo número quadrado é da forma
$$Q_n = n^2$$
sendo que Qn é o n-ésimo número quadrado.
Algebricamente também é possível demonstrar essa afirmação:
Sejam Tn e Tn+1 dois números triangulares consecutivos:
Algebricamente também é possível demonstrar essa afirmação:
Sejam Tn e Tn+1 dois números triangulares consecutivos:
$$T_n=\dfrac{n (n + 1)}{2}$$ $$T_{n+1}=\dfrac{(n + 1) ((n + 1) + 1)}{2}$$
Então,
$$T_n + T_{n+1} =\dfrac{n (n + 1)}{2} + \dfrac{(n + 1) ((n + 1) + 1)}{2} =$$ $$= \dfrac{n^2 + n}{2} + \dfrac{n^2 + 3n + 2}{2} =$$ $$= \dfrac{2n^2 + 4n + 2}{2} =$$ $$= n^2 + 2n + 1=$$ $$= (n+1)^2 =$$ $$= Q_{n+1}$$
Assim, concluímos que,
$$ T_n + T_{n+1} = Q_{n+1}$$
Desse modo, para obter, por exemplo, o número quadrado Q6 basta somar os números triangulares, T5 e T6.
O estudo dos números poligonais pode prosseguir seguindo um raciocínio semelhante para números pentagonais, explorando propriedades e leis de formação. No entanto, o objetivo deste conteúdo não é tornar os alunos especialistas em números figurados, mas oferecer boas situações para ampliar o estudo da álgebra, solucionar problemas que ficaram para trás na formação do aluno e preparar o campo para o estudo de progressões aritméticas e geométricas.
Números poligonais na sala de aula
Ao oferecer um problema desafiador ao aluno, este precisará mobilizar todo seu repertório de conhecimentos matemáticos e por em jogo uma gama variada de estratégias para resolve-lo. O objetivo é que o aluno, após testar situações mais concretas, busque generalizações e fórmulas que o ajudem a superar o problema principal. Nesse sentido, a linguagem algébrica aparecerá naturalmente e se mostrará como uma ferramenta poderosa para a solução do problema. Segue a proposta de algumas etapas para o prosseguimento da atividade:
a. Entrega do problema para os alunos;
b. Discussão coletiva das soluções encontradas;
c. Resolução de outros problemas.
Um bom problema (a) para iniciar a discussão não deve se basear em uma situação mais simples para gradativamente chegar a um nível maior de complexidade. De fato, para ser um problema, a situação inicial já deve ter um grau de complexidade que desafie o aluno. Cabe ao professor, porém, dosar essa complexidade para que o problema não seja, por outro lado, um obstáculo intransponível. As situações mais simples serão utilizadas pelos próprios alunos como forma de construir estratégias para solucionar o problema principal. Por exemplo:
Os alunos provavelmente testarão algumas hipóteses com os três termos apresentados e construirão graficamente/geometricamente mais alguns termos antes de começar a manipulação algébrica/numérica. Nesse momento, o professor deve atuar como um orientador, provocando o raciocínio do aluno com boas intervenções. Há de se salientar também que, mesmo o problema possuindo uma origem "geométrica", o principal foco da atividade é algébrico. Assim, o professor precisar saber destacar o conhecimento principal da atividade de conhecimentos secundários. As intervenções realizadas precisam levar esse fato em conta, de modo a "limpar o terreno" dos conhecimentos secundários e potencializar os conhecimentos principais.
Na etapa de discussão coletiva (b), o professor deve ajudar os alunos a comparar as várias soluções obtidas, verificar quais são semelhantes, quais são válidas ou não. Já na etapa seguinte (c), o professor pode propor outras explorações como, por exemplo, as relações entre números triangulares e quadrados, ou a sequência de números pentagonais etc. No encaminhamento dessa etapa, as anteriores serão revistas, já será necessário pensar bons problemas, mediar o trabalho dos alunos e conduzir a discussão coletiva.
Caso haja interesse na sequência didática completa, com a descrição detalhada de cada etapa e material dos alunos, favor entrar em contato! |